segunda-feira, 30 de março de 2009

Monstro



Há um monstro
Na lajota
No ladrilho
No telhado

Há um monstro nesse prato
No copo
No sexo
Na cápsula de pólvora
Medicamentosa

Há um monstro em cada um
E um monstro em toda esquina

E se a mente finge que manda
O monstro finge que perde
E que morre
Mas está ali
Grande

Forte

Esperando
Você se esquecer dele

domingo, 29 de março de 2009

Nenhum Parque de Diversões

Abramos espaço para o fluxo:

Preocupação
Um que vive, quer o outro vivendo
Bem
Feliz
Em igualdade de condições

Dentro de algum egoísmo

"Você vive, e está bem"

Com isso, não passa a frente de ninguém

Preocupação como lei
Como elo entre seres sem elo algum?

"Viva como eu, seja feliz como eu sou"
Puta que pariu, caralho

O caminho não é tão simples
Não é tão pacífico
É bonito, é verdade
Mas preocupantemente torto

Então fique em paz
E nem lembre mais do outro
E não busque que essa felicidade toda
Seja o meu parque de diversões diário

sexta-feira, 27 de março de 2009

A Escada do Sol

Letra: Marcio Teixeira de Mello

Fale a verdade: você não leva isso a sério
Deixa a ambição fazer a grande parte dela
Sinto que não dá para abrir mão do meu nome
A escada do sol e o elevador da fome

Claro que inventa a sua vida e com dois ou mais
Determina as regras

Nada disso tem sombra
O real me assombra
Se é real, me assombra

Comigo não tá
A chance de viver
Virou um vazio
Comigo não tá
Não sei onde ela está
Mas não está mais frio

Depressão/reimpressão
Propagando uma palavra que não é minha
Planos de aniquilação inacabados
Mostrando a liberdade que eu tinha

quinta-feira, 26 de março de 2009

O que é feito de?



O que será que faz?
O que é que fez?
Será que em drogas pesadas?

Se livrando ou mergulhando de vez?

No que anda pensando?
Mas será que ainda pensa?
Estaria em um hospício?
Ou feito como o outro em vício
e pulado de um penhasco
para se enganchar em um piedosa árvore?

Será que anda pichando ruas?
Estuprando mendigas, deixando velhas nuas?
Será que atira a esmo ao invadir shoppings?
Ou congela rios durante provas de rafting?

Já teria viajado o mundo?
E teria sido achado imundo
com os olhos virados pra dentro
vendo apenas o que precisa(va) ver?

Cordeiro

Sendo, alma e paixão indivisíveis
Vendendo: bem-vindas derrotas invisíveis

Álcool reacorda o corpo limpo
Desinfeta a calçada, extrai o limo

Limusine interna
Cabeça-caverna
Nada mais belo do que se aproximar
Como faz um cordeiro no ar

Sacrifício de cada um
Sem danças, sem bem comum
Tudo é possível quando dá

terça-feira, 24 de março de 2009

Isso Pode Viver

Letra: Marcio Teixeira de Mello

Um lago sem som
Um tempo sem qualquer ar
Mas você segue sendo como deve ficar
Passei algum tempo em um passo no mar
Mas ninguém sabe se é hora de escapar

Isso pode viver
Isso pode voltar
Nisso ele irá crer
Após uma volta

E tudo se acaba assim tão fácil
Mas não é isso que nos faz chorar
Tudo é muito, muito frágil
E eu não sei onde você está
Quem disse que se ajoelhe
Levante e voe já
Querem estragar sua cabeça
Querem te estragar
Sou o sol do meu cenário
Não estou em lugar nenhum

Por isso
Tudo isso
Tudo isso de você

segunda-feira, 23 de março de 2009

Asa a cobra


Eu não posso ter dinheiro. Quando tenho, dou. Ou gasto fácil. É a história de Deus não dar asa a cobra. Imagina se desse? Ok, imagina que exista um Deus lunático, preocupado com bizarrices como a anatomia dos répteis. Um Deus que gasta seu tempo pensando em itens que podem ou não podem ser grudados nas costas de uma cobra, por exemplo. Então esse Deus poderia ter resolvido, após muito estudo e entrevistas com especialistas, que cobras deveriam voar. Vá entender os motivos. Talvez elas colaborassem para o controle da população de pombos nas cidades, ou de morcegos no campo, ou de mosquitos na praia. Cobras não parecem ser fãs de mosquitos. Pronto. Cobras teriam asas. E voariam felizes. E apareceriam nas varandas de grandes prédios, e, em função disso, existiriam diversos inseticidas no mercado voltados ao extermínio dos pobres bichos peçonhentos. Tudo bem, não seriam inseticidas, mas cobricidas. Homicidas. Cobras voariam e quebrariam o silêncio de quartos fúnebres com o chacoalhar de seus chocalhos. E esse seria o som do medo e da graça. Cobras voariam e se enroscariam em lençóis e pernas em cópula. Mulheres dariam luz a meninos-serpente. Isso se Deus desse asa a cobra. Mas sei que a cobra também não dá asa a Deus.

Deus que é pai de Jesus. Jesus que é pai de muita gente. Deus seria o avô se ele e Jesus não fossem a mesma pessoa. Dupla personalidade. Tripla, com o espírito santo, que dizem ser uma pomba. Pelo que dizem, seria uma pomba gigante, de penas grossas, já amareladas. Velha e feminina. Um deus-pássaro mitológico, pagão talvez, saído de um grande e escuro ovo de ouro. Talvez filho e avô da galinha dos ovos de mesmo valor. Não importa tanto. Vejo o mundo do século XXI e enxergo o passado. As idéias, as roupas, os desejos, tudo é muito antigo. Datado. Cansativo. Folclórico de tão ingênuo. E há a força, a forca e a crença. No deus branco chamado Jesus Jones de Nazaré. Aqui e agora, executivos e mendigos debatem a Bíblia. Discutem a glória e a subida aos céus no terceiro dia. Lembram-se do pães, dos peixes e de longas caminhadas em cidades de nomes já devidamente aportuguesados. A palavra, conhecem desde sempre, por influência de pais, avós, tios, escolas. Por influência da tv, dos mocinhos e bandidos. Fé em Deus, DJ. Graças a Ele conseguimos os três pontos. Amar quem pode lhe ferir pode ser uma boa estratégia. Amar o céu por medo de que ele desabe. Como bem disse Jóbson, que tentou me evangelizar durante o Mundial de Clubes de 2000, no qual trabalhei, se o Maracanã cair, ele, lá dentro, sabe que se salvará. Claro, pois aceitou Jesus como seu senhor e salvador pessoal. Duvidei dele, que riu. Perguntou se eu não sabia que Deus havia criado o mundo em seis ou sete dias. Gargalhou quando lhe falei sobre microorganismos, pressão atmosférica e outras palhaçadas.

Pois ele credita suas vitórias à sua fé no divino. Acabo ignorando tais vitórias, conseguindo pensar que talvez ele tenha fé pra caralho. Ou seja cego. Criativo. Louco. Foda-se. Não ganharei nada com ofensas às crenças alheias. Mas, cara, não se deixa o mal em paz...

domingo, 22 de março de 2009

Em Cada Frase

Letra: Marcio Teixeira de Mello

Na realidade
Estou cansado de fingir
A neutralidade é um carro que não dá pra dirigir

Meu caminho é reto
Mesmo sendo
Transparente
Só passou perto do seu
Esqueça o meu daqui pra frente

Drama em cada frase
A besteira travestida de experiência
Sinto muito, mas não tenho paciência

sexta-feira, 20 de março de 2009

Eu Não Me Interesso

Letra: Marcio Teixeira de Mello

Aliene-se, irmão
Eu não me interesso
O cheiro da água

Suspiro de desespero
De olho na gengiva de alguém

Aguardando e fingindo que dança
Hoje
Na areia movediça
Nada veio

Você não será uma ameaça
Ao meu sangue inútil
Eu não me interesso
Posso te dizer
Que pode não valer

E nem me assustar

quinta-feira, 19 de março de 2009

Gato Preto


Ontem à tarde, na rua, vi uma menina com uma tatuagem que me fez rir. Na pele, um gato preto de presas visíveis, com um número "13" à cabeça.

Lembrei imediatamente do meu amigo Hector.

Hector é um gato que vive aqui em casa. Carinhoso a ponto de dar cabeçadas na minha cara em busca de um afago. Ou de leite, que poderia sair do meu nariz. Vai entender a cabeça de gatos desmamados. Cabeçadas que podem ser dadas no copo de suco que levo à boca, e que, depois da investida do meu amigo, quase quebra meus dentes da frente. Carência brutal.

Pois Hector, um gato preto preto preto, até o última sexta-feira 13 se chamava Satanás. Um nome que fazia nosso bicho ser uma espécie de piada semi-ofensiva ambulante. Ou um amaldiçoado. Ou um protegido de e por forças invisíveis.

O fato é que nesse dia, Satanás, em um surto de "tudo é possível", tentou ir da área de serviço para a cozinha de nosso apartamento através de uma janela, ignorando o fato de que a fresta da mesma era alta e estreita demais para que seu pequeno corpo pudesse passar. Não conseguindo enfiar a cabeça, tentou as patas. As duas. Que se soltaram. Satanás, o gato preto, caiu da janela. Som de corpo contra o chão.

Miou desesperado. Não conseguia vê-lo. Noite escura, de chuva. Os miados de dor deixavam claro que sua curta vida seria extinta em instantes. Eu, que, estático, o vi tentar passar pela janela e cair, torcia para que o som não cessasse. Ou deveria torcer para que morresse logo e deixasse de sofrer? O fato é que consegui avistá-lo graças ao flash de uma máquina fotográfica que disparei no que eu achava ser sua direção. E era. Ele apenas me olhava. Parado. Sereno. Bem. E não eram seus destroços, era seu corpo preto e vivo.

Passou a madrugada na área de serviço da vizinha de baixo, que teve medo de abrir a porta de sua casa quando eu e Carol, já durante a madrugada, tentamos resgatá-lo.

No dia seguinte, Satanás voltou para o nosso lar. Talvez tenha sobrevivido por ser leve. Talvez por ser gato. Talvez pelo nome. Vai saber. Por mais que eu não acredite em diabo, acho que muitas pessoas que já morreram acreditam. E, na dúvida, não preciso ser alvo nem de aprovação nem de reprovação de seres não-vivos.

Só sei que no mesmo dia mudamos o nome do gato para Hector. Homenagem a um moleque que estudava comigo e que, aos sete anos, foi o primeiro ser humano que vi, ao vivo, fazer um gol de bicicleta. Nem sabia que crianças podiam fazer aquilo.

Desde a última sexta-feira 13, conforme os dias passam, mais e mais improváveis pelos brancos insistem em surgir no corpo do gato, como se a pureza precisasse que o antigo nome fosse embora para poder se fazer presente.

Maculado por algo bom ou salvo por algo mal, o gato dorme. E come. E pede atenção. Ou quebra meus dentes.

Um dia a menina da tatuagem terá paz e cabelos brancos, que talvez cobrirão a antiga imagem. Tomara que, para isso, ela não precise cair de uma janela ou mudar de nome.


* A pintura que retrata o post é uma gravura de Sandra Merwin. Para contatar a artista e adquirir a obra, clique aqui.

quarta-feira, 18 de março de 2009

Passear

Letra: Marcio Teixeira de Mello

Espere ele terminar
Já esperei tanto
Advogados têm um mundo só deles
Mesmo doente ela está envelhecendo
Quem não se acha só se acha perdendo

Gastei a ficha podre e morta que tinha que ser usada
E tudo é melhor agora
Quando o mal pede, sabe que tem que ir embora
Quando o mal perde, beije, corte e jogue fora

Parecem irmãos
Olham do mesmo jeito
O que ela faz, alguns compram já feito
Deixe correr
Ninguém é seu inimigo
Se não terminar
Já se parece comigo

Ele nunca vai terminar
Tudo bem assim
Julgar
Não há esperto no fim
Você se consertou
E anda por aí
Quem não se encontrou
Não viu que eu saí

segunda-feira, 16 de março de 2009

Coca Zero: o retrato de um vício


Na minha casa, desde a metade do ano passado não falta Coca Zero. Falta água, comida, mas não ela. O pior é que agora quando uma garrafa já está na metade, bate um desespero semi-mortal: aquela sensação de que filmes perderão a graça, a comida perderá sal e eu perderei o sono. E, claro, fica a certeza de que a noite, ou a vida, não fará mais nem uma gota gaseificada de sentido.

Quantas vezes já era início de madrugada quando cheguei para minha esposa dizendo que precisava ir ao bar. Distante. Um iPod no ouvido me ajuda a não pensar na condição de junkie, e sim aproveitar o passeio. A atenção às esquinas e aos vultos - reais, frutos de paranóia ou de delírio abstêmico - é trocada pela imagem de bolhas de gás flutuando num céu negro e sem calorias.

O dono do bar já pode me tratar com desprezo, se quiser. Não irei ligar. Tenho aqui os cinco reais. Pode me humilhar. Jogue a garrafa no chão, pois irei pegá-la mesmo que role até o meio da rua. Mesmo que quique e se parta. Irei achar a rachadura, o furo, e permitirei que dali meu bálsamo volte ao seu lugar, que é dentro de mim. A caixa da padaria sempre pergunta se tenho tentado me livrar do vício. Apenas entrego os quatro e oitenta que ela me cobra. Tento nem olhar nos olhos. Deve sentir o peso nos meus ombros. Deve ver o macaco em minhas costas.

Bebo. Da boca ao estômago aos neurocondutores. Ansiedade e dor voltam a ser livros na estante. Empoeirados. Nunca os li. Sinto o brilho nos olhos e minutos de total prazer e comunhão com esse universo tão legal. Não sou um mais homem. Minhas veias borbulham sangue de cor química E150d. Linda. Marrom escura. Agora sou negro sob a pele bege. Louco, penso se o citrato de potássio (inimigo de cálculos renais) e o benzoato de potássio (assassino de bolores, bactérias e leveduras do inferno), presentes na fórmula americana do líquido, fariam eu me sentir melhor agora ou, ao menos, me conservariam inteiro por dentro para sempre. Embalsamado e sedento. Pulsante e seco. Pois se assim fosse, para sempre estaria com ela. E ela comigo.

Dois litros se esgotam em menos de uma hora. O vazio da garrafa se torna o vazio da sala e de dentro da minha cabeça. O gosto terrível na boca, que, até hoje, é o pior gosto/sensação/sentimento que conheço, só cessará na próxima dose. Que ela seja cavalar e eterna. Que seja como uma princesa negra que me chama para galopar para sempre, junto a ela, em seu cavalo de cafeína e aspartame.

quinta-feira, 12 de março de 2009

JCVD



Acabei de assistir ao filme JCVD. Sim, Jean-Claude Van Damme.

Eu, que sempre soube que sob os músculos morava um ator, já esperava que um dia uma bela obra brotasse dali. E veio. JCVD, lançado em junho de 2008 e dirigido pelo franco-argelino Mabrouk El Mechri, mostra a decadência e a magia lado a lado, personificadas na figura de um ator de filmes de ação de quase 50 anos, cheio de problemas presentes e passados, mas de reputação intacta em sua cidade natal, na Bélgica. Afinal, heróis são heróis.

Poderia resumir a força da obra isolando uma impressionante cena, com Van Damme saindo do chão, ficando apenas na companhia de um refletor. Realidade vital.

Na coragem e nas veias abertas para visitação pública, não há como não pensar em "O Lutador".

JVCD é uma obra honesta demais.
Palco real e ideal para que você veja o que eu já sabia há tempos: Van Damme é, sim, um artista.


Voltando


Quase dois anos longe desse espaço. No entanto, ele, bondoso, sempre esperou por mim. Às vezes até me chamava, mas a quantidade de entulho interior sempre o deixava em segundo plano.

Agora retorno. Se eu quisesse voar e dizer "agora retôrno", a gramática me bateria. Palavras diferentes com grafia exatamente igual. Talvez como as pessoas, cada uma com uma carga genética, histórica, cultural, mas semelhante nas atitudes e modos de pensar.

Pode haver rompimento, fuga, desafio ao senso comum, mas tudo dentro de padrões de comportamento. E tudo com base nos números que conhecemos, em dias de meses que sempre se repetem. Sempre me pergunto se a Terra não enjoa de tanto girar.

No entanto, a criatividade está aí para libertar da mesmice. Você observa o padrão e o contorna. E o coloca diante do espelho. E faz com que o reflexo do padrão cegue momentaneamente o motorista de um caminhão de verdades e dados e planejamento. Talvez pelo tempo suficiente para que a carga que transporta ou se quebre por completo ou seja saqueada pelas populações ribeirinhas.

E esse reflexo é como a invenção de um bom sol, um útil sol, pronto para fazer brilhar apenas o que é real.

Diferente desse nosso sol que, cansado da gente, agora só quer nos sacanear.