segunda-feira, 16 de março de 2009

Coca Zero: o retrato de um vício


Na minha casa, desde a metade do ano passado não falta Coca Zero. Falta água, comida, mas não ela. O pior é que agora quando uma garrafa já está na metade, bate um desespero semi-mortal: aquela sensação de que filmes perderão a graça, a comida perderá sal e eu perderei o sono. E, claro, fica a certeza de que a noite, ou a vida, não fará mais nem uma gota gaseificada de sentido.

Quantas vezes já era início de madrugada quando cheguei para minha esposa dizendo que precisava ir ao bar. Distante. Um iPod no ouvido me ajuda a não pensar na condição de junkie, e sim aproveitar o passeio. A atenção às esquinas e aos vultos - reais, frutos de paranóia ou de delírio abstêmico - é trocada pela imagem de bolhas de gás flutuando num céu negro e sem calorias.

O dono do bar já pode me tratar com desprezo, se quiser. Não irei ligar. Tenho aqui os cinco reais. Pode me humilhar. Jogue a garrafa no chão, pois irei pegá-la mesmo que role até o meio da rua. Mesmo que quique e se parta. Irei achar a rachadura, o furo, e permitirei que dali meu bálsamo volte ao seu lugar, que é dentro de mim. A caixa da padaria sempre pergunta se tenho tentado me livrar do vício. Apenas entrego os quatro e oitenta que ela me cobra. Tento nem olhar nos olhos. Deve sentir o peso nos meus ombros. Deve ver o macaco em minhas costas.

Bebo. Da boca ao estômago aos neurocondutores. Ansiedade e dor voltam a ser livros na estante. Empoeirados. Nunca os li. Sinto o brilho nos olhos e minutos de total prazer e comunhão com esse universo tão legal. Não sou um mais homem. Minhas veias borbulham sangue de cor química E150d. Linda. Marrom escura. Agora sou negro sob a pele bege. Louco, penso se o citrato de potássio (inimigo de cálculos renais) e o benzoato de potássio (assassino de bolores, bactérias e leveduras do inferno), presentes na fórmula americana do líquido, fariam eu me sentir melhor agora ou, ao menos, me conservariam inteiro por dentro para sempre. Embalsamado e sedento. Pulsante e seco. Pois se assim fosse, para sempre estaria com ela. E ela comigo.

Dois litros se esgotam em menos de uma hora. O vazio da garrafa se torna o vazio da sala e de dentro da minha cabeça. O gosto terrível na boca, que, até hoje, é o pior gosto/sensação/sentimento que conheço, só cessará na próxima dose. Que ela seja cavalar e eterna. Que seja como uma princesa negra que me chama para galopar para sempre, junto a ela, em seu cavalo de cafeína e aspartame.

6 comentários:

César Marins disse...

euri

Giulia disse...

"Que seja como uma princesa negra que me chama para galopar para sempre, junto a ela, em seu cavalo de cafeína e aspartame."

você é meu poeta favorito!

beijos!

Anônimo disse...

seu viciado!

Anônimo disse...

É... tentarei entender... hahaha

Mt legal!

Bjs!

Anônimo disse...

"Que seja como uma princesa negra que me chama para galopar para sempre, junto a ela, em seu cavalo de cafeína e aspartame."

Realmente, perfeito.

Wania Bie disse...

Muito bom!!! Retrata a realidade de muitos.