sexta-feira, 17 de julho de 2009

As verdades

Primeiro dia de aula na minha turma da primeira série do primeiro grau. Todos têm sete anos. Todos já sabem ler. Venho do turno da manhã. A grande maioria da turma já se conhece de outras tardes.

Logo nos primeiros minutos, já na sala de aula, mas antes da aula em si ter início, percebo na boca dos colegas que o mundo agora é permeado por palavras misteriosas que claramente indicam uma tentativa tola de ser menos criança. Depois fui saber que eram palavrões.

Também ouço alguém dizer que Papai Noel não existe. Pulga atrás da minha orelha. Tolos. Não sabem o que dizem. Dias depois, depois de eu muito insistir, minha mãe acabou confirmando a versão. É, eu estava em meio a adultos.

Então, na sala, antes do início da aula, como minutos antes da criação do universo, há alguma conversa. Sou eu e mais uns quatro meninos. A vontade de ser grande impera e a competição masculina, que aos seis anos, nas manhãs do CA, não sentia existir, agora é tudo o que importa. Sinto que parece certo ou pelo menos normal adentrar esse mundo. Joguemos.

Cada um analisa seus livros e a agenda recém-distribuída. Perguntas e respostas são as armas, os instrumentos de imposição, de afirmação. Cada menino precisa provar ao outro que é, de fato, o mais inteligente.

Logo alguém pergunta qual o maior estado do Brasil, como se estivéssemos em um quiz show infantil transmitido em rede nacional, e cujos resultados definiriam o "quem é quem" ao longo do ano. Respondo, sem pensar muito, pois era claro: "Amazonas!". Mapas geográficos e do corpo humano me interessavam bastante. Piauí, Pernambuco, húmero, tíbia, perônio, carpo e metacarpo.

"Burro...", alguém rebate. "Amazonas não é estado, é floresta!", e todos os outros imediatamente concordam. Percebo que o debate nada tinha a ver com inteligência ou conhecimento. Eram só crianças agindo como pessoas. Não retruquei.

"E alguém sabe se existe, no mundo, algum país com 'H'?", alguém levanta logo em seguida.

"Holanda!", digo. Se eu sabia, por que não dizer?

"Tá errado", alguém afirma. "Pois se fosse com 'H', falaríamos 'Rolanda'", completa, com toda a verdade, sabedoria e autoconfiança que o universo conseguiu concentrar ao longo de sete anos em seu corpo/cérebro/alma. E todos concordaram, admirando o saber do amigo.

Minutos depois, surgiu o universo. A professora escreveu seu nome no quadro e, com isso, iniciou o trajeto escolar pós-alfabetização que cada um, ao longo dos anos, seguiria do próprio jeito.

Mas o que estava feito, estava feito. E estava claro: sempre existiriam tais "alguéns", e a verdade andaria sempre ao lado deles, por mais errados que estivessem. E, amanhã, na falta da verdade, apelariam para a esperteza ou para os grandes feitos. Mas aos sete, tudo já estava definido.

Nem retruco.

Um comentário:

Wania Bie disse...

Nossa, e isso mesmo,a sua visão retrata realmente o que acontece como ser humano, no caso, meninos, que lutam para serem adultos,lógico,com idéias distorcidas. Viva a inocencia e a inteligencia natural.