segunda-feira, 29 de junho de 2009

Karany Karanuê


Na noite do último sábado peguei um táxi para a Lapa. Minutos antes quase presenciei um sequestro. Pouco à frente de onde estava esperando algum motorista, "alguém a" roubou o carro de "alguém b" com "alguém b" dentro do veículo. Não sei o desfecho da história.

Ao contar sobre o ocorrido para o taxista, veio logo a pedrada:

"Para mim esses caras nem têm que ser presos. Tem é que matar", disse.

"Hitler dirige meu táxi", pensei.

Rapidamente a conversa tomou outro rumo. Um rumo familiar a mim, membro de uma família com várias restrições à Globo em função de sua exagerada influência nos campos político e cultural brasileiro. Segundo a gente.

Minha família possui membros radicais nesse sentido. Creio que eu seja um deles. Mas de uma forma saudável levamos essa nossa fundamentada implicância adiante. E viva Brizola!

Já o taxista estava alguns passos à nossa frente no quesito "paranóia global". Era um fundamentalista.

"A Globo vence qualquer ação na justiça. E ela destruiu a vida da minha tia", disse.

O taxista explicou: sua tia, a compositora Diana Camargo, co-autora da música "Karany Karanuê", foi, segundo ele, claramente roubada no VI Festival Internacional da Canção, realizado em 71. A canção, interpretada pelo Trio Ternura, teria tido votos favoráveis entrando na conta da música vencedora, "Kyrie", dos compositores Paulinho Soares e Marcelo Silva e também cantada pelo Trio Ternura. De fato, palavras estranhas com a letra K e o Trio Ternura eram a sensação do momento e não devem ter do que reclamar da competição.

"Minha tia viu o roubo de votos! Roubaram na frente dela", disse o taxista, da forma paranóica que conhecemos bem quando o assunto é perda e Globo. "Era muito boa a música. Karanyyyy... karanuêêêêêê...", cantarolou. "A música era o lado A do compacto que ela lançou. O lado B era outra ótima música: 'Sarany Saranuê'. 'Saranyyyyyy... saranuêêêêê', cantou. Gargalhei por dentro. Essa similaridade entre os títulos... Pensei em falta de criatividade ou demência. No passado ou no presente.

"Engraçado os nomes parecidos, não?", perguntei.

Acho que ele não respondeu.

"O senhor sabe o que significam essas palavras", perguntei também.

"Não", disse ele, de forma seca.

"Minha tia processou a Globo", continuou, "mas não conseguiu nada. Tava todo mundo comprado. Depois ela descobriu que o próprio advogado dela trabalhava para a Globo. E a Globo também mandou recolher todos os discos dela nas lojas", falou o sobrinho.

"Mas como? O que a Globo alegou para conseguir tirar os discos dela das lojas?", perguntei, ao mesmo tempo em que jogava lenha na fogueira. "Essa Globo é foda mesmo...".

"Não sei como, mas tirou. Vou te dizer... Minha tia tinha condição, tinha recurso, mas por causa disso, morreu na miséria", acrescentou o taxista cujo nome nem consegui ler.

"É fogo a Justiça... Advogados, juízes... É todo mundo corrompido mesmo. Todos têm um preço", afirmei, emendando algo que poderia fazê-lo ficar feliz ou revoltado de vez.

"Um dos meus maiores ídolos era um dos principais opositores, senão o principal opositor da Globo", e pronunciei o nome de Leonel Brizola.

"É, o Brizola fez muita coisa boa", me surpreendeu o motorista. "Fez os CIEPS, ajeitou a Avenida Brasil... Mas proibiu que a polícia entrasse na favela! Por isso que a violência está do jeito que tá. O morro tá descendo e eu nem quero saber. Pra mim, não tem isso de prender: tem é que matar todo mundo", concluiu ele, encerrando a conversa paranoico-lamento-saudosista com uma volta ao ponto inicial, bem fascista.

* * * * *

Saltei na Lapa. Festa junina de rua. Um garoto parece ter um ataque epilético perto da nossa mesa. "Isso aí é fingimento. Agora há pouco ele caiu e, quando fomos ajudar, ele levantou rindo", disse um festeiro, ignorando carasterísticas comuns aos curto-circuitos cerebrais.

Muita gente em volta do garoto, que nem sei se era garoto mesmo. Polícia, fotos, massagem cardíaca ou segurar de língua. Pouco depois tudo estava normal, com o garoto que talvez não fosse garoto comendo uma maçã do amor na barraca ao lado ou dormindo para sempre dentro de um rabecão.

As cervejas seguiram dando o tom da noite, que se tornaria chuvosa mais tarde. O celular, molhado, falava por meio de códigos:

"43334444444333444###343434333344443434333" era tudo o que ele podia pronunciar, insistentemente, com algumas variações.

"Karany Karanuê", pensei.

"Sarany Saranuê", completei.

Um comentário:

Unknown disse...

Puta queu pariu!!!!

Vc esqueceu de me contar isso!